18 abril 2011

Saco cheio (Estudo de Caso)

Antes tarde do que nunca, o mês de abril está quase acabando e nada de uma nova postagem mas andei um pouco ocupado com o trabalho, lendo cada caso de cada pessoa que me enviou sua estória por email - queria agradecer a todos que me enviaram email contando sua estória pela confiança depositada em mim- e também correndo atrás de ajudar os indefesos coelhos que no mês de páscoa eles sofrem muito pois para promover a páscoa muitas pessoas esquecem que coelhos de verdade sentem dor de verdade, frio de verdade, esquecem até de que eles são de verdade.
Mas voltei para postar mais um caso que um amigo, colega de TOC, me contou e permitiu que eu postasse aqui. Vou chamá-lo de Fernando (nome fictício).
O Fernando me contou que também começou seus rituais quando era criança, como acontece com a maioria das pessoas que tem TOC. Além do TOC ele também tinha a síndrome de Tourette - comum também de aparecer na infância e concomitantemente com o TOC -  ficava fazendo sons com a boca, alguns sons eram baixos e outros mais altos e apesar das pessoas olharem quando ele vocalizava algum som mais alto isso não era o que mais lhe incomodava. Seus rituais tomavam boa parte de seu tempo e muitas vezes o colocava em situações constrangedoras. Uma de suas piores manias era a de pegar quase tudo o que ele via no chão e guardar na cueca. Pegava papel de bala durante o "recreio" na escola que estavam no chão e disfarçadamente os colocava na cueca. Folhas secas e pequenos gravetos também iam para a sua cueca. Enquanto voltava a pé para casa tinha o costume de pegar pedaços de papel, folhas, tudo o que era pequeno e guardar na cueca. Claro que isso o incomodava, tinha medo me pegar alguma alergia ou dermatite mas a compulsão era maior do que seus medos. Era comum durante a aula ele "ajeitar" sua coleção de coisas e frequentemente alguns pedacinhos caim da cueca de volta no chão. Na hora de fazer xixi ele tinha que abaixar com cuidado a cueca para não deixar tudo cair no buraco da privada. Claro que não demoraria muito tempo com essa compulsão sem que algo desse errado e o colocasse em uma situação constrangedora. Um dia ele estava no colégio e sua tia que trabalhava no mesmo colégio resolveu levá-lo, junto com outros meninos, até o posto de saúde para serem vacinados contra sarampo pois estava tendo uma campanha. Chegando lá ele descobriu que a vacina era aplicada nas nádegas e não no braço como na maioria das pessoas e gelou ao imaginar a idéia de ter que abaixar a cueca para ser vacinado. Fernando me contou que ele morre de medo de agulha - até hoje - mas que naquela hora o que ele menos pensava era na agulha. Sua mente começou a trabalhar para tentar descobrir uma maneira de não ser descoberto com todas aquelas folhas e papeis em sua cueca ou que desculpa daria para ter tudo aquilo armazenado. Teve a idéia de ir até o banheiro e jogar tudo no lixo mas antes mesmo de dar o 1o passo foi chamado para a sala de vacinação. Ele entrou suando, a enfermeira percebeu seu mal estar e disse que não precisava ter medo da injeção pois tudo acabaria muito rápido. Como ele estava congelado de medo a enfermeira rapidamente abaixou apenas 2 dedos de sua calça, aplicou a injeção e pronto! Fernando estava livre da injeção e do vexame pois não teve que abaixar as calças. Além desse episódio, Fernando passou por outro apuro quando fazia aula de kung-fu. Ele sempre ia a pé até a aula e no caminho foi colecionando folhas e papeis. Chegando na academia o professor pediu que eles corressem em círculos para aquecer e conforme Fernando começou a correr, os pedacinhos de folhas e papeis começaram a escorregar pela calça do agasalho e cair no chão. Ele até tentou recolher alguns para eram muitos e o pessoal começou a perceber que o chão estava ficando sujo. O professor recolheu alguns papeis e perguntou se alguém havia estado em algum baile de carnaval pois por mais que ele recolhesse os "confetes" continuavam a aparecer. Fernando se fez de desentendido, pediu ao professor para ir ao banheiro e jogou toda sua coleção no lixo. Ao voltar o professor lhe disse que precisava falar com ele depois da aula. Fernando, como todo portador de TOC, ficou durante toda a aula imaginando se o que o professor queria falar era algo relacionado aos papeis. No final da aula o professor se ocupou com outras coisas e Fernando precisou ir. O professor nunca mais tocou no assunto e Fernando muito menos.
Fernando contou que seu pai é um homem a moda antiga e assim como os antigos "curavam" os canhotos amarrando sua mão esquerda para que escrevesse somente com a direita, o pai do Fernando tentava curar seu TOC batendo nele cada vez que ele chegava com a cueca cheia de papeis e folhas. Todo dia quando Fernando chegava em casa seu pai fazia ele descer as calças e se encontrasse folhas ou papeis ele apanhava. No começo Fernando me disse que as vezes esquecia de esvaziar a cueca e apanhava mas com o tempo foi se habituando a esvaziar a cueca antes de chegar em casa. Era melhor correr o risco de passar vergonha esvaziando a cueca na rua do que apanhar em casa.
Identifiquei-me com a estória dele pois também já cheguei a apanhar do meu pai por causa do TOC.
É, o TOC nos deixa de saco cheio, as vezes literalmente